Em primeiro lugar, este é um livro sobre arte, a arte da pintura. É um livro para a degustação do belo, para o prazer sensorial, para o deleite visual. O leitor deve folhear estas páginas livremente, sem método, sem regras, e simplesmente se deixar encantar pela beleza despretensiosa das imagens. Que seja esse um embalo leve e sem esforço. Que a sua mente descanse e deixe que respostas espontâneas e intuitivas emerjam, sem a intermediação intelectual.
Em segundo lugar, este livro conta, através das imagens, a história da artista plástica Camila Falchi, que é uma pessoa do espectro do autismo. Seus quadros testemunham a complexidade do seu mundo interior, a variedade de temas que o preenchem, a intensidade de sentimentos, os devaneios, as fantasias e os sonhos, e é justamente essa complexidade que nos instiga a questionar e a rever concepções sobre o espectro do autismo, a mente e a criatividade. Por isso, este é também, em terceiro lugar, um livro sobre o cérebro, as neurociências e a cognição. A proposta é trazer, através do exemplo dessa artista plástica, uma ampliação do que se entende sobre o autismo, suas características e suas potencialidades.
Elisabete conheceu Camila Falchi e seus quadros em 2014, através de um de seus alunos do curso de Medicina da UFGD, Marcelo Falchi Parra Carvalho Silva, irmão da artista. Os resultados desse encontro foram duas exposições de arte durante a segunda e a terceira edições do Simpósio Internacional de Neurociências da Grande Dourados, em 2014 e em 2015, respectivamente. O impacto dessas exposições foi muito positivo, pois trouxeram à tona uma nova identidade. Camila passou a se definir e a ser vista pelos demais como ar¬tista plástica. As exposições revelaram um talento que já era evidente. A crosta da antiga imagem, baseada apenas em necessidades especiais, foi parcialmente rompida e deu espaço ao vislumbre de um brilho até então desconhecido.
Este livro poderia simplesmente apresentar as obras da artista plástica, sem nenhuma discussão sobre o espectro do autismo (EA), pois elas já trazem em si toda a força e a beleza suficientes para sustentarem a apreciação do público e o convencerem do seu valor estético. No entanto, o EA é abordado aqui justamente porque essas pinturas, tão vibrantes e tão intensas, quebram estereótipos, revelam um universo emotivo e impulsionam para novas direções de pensamento e ação.
O livro se inicia com uma breve apresentação de Camila Falchi, no capítulo 1, e um comentário sobre sua arte, no capítulo 2. O capítulo 3 explica como o cérebro processa a informação social, uma capacidade que pode ser um desafio para pessoas do espectro.
O capítulo 4 discorre sobre o EA com informações bastante atualizadas sobre frequência, manifestação e diagnóstico, expondo novos modelos cognitivos que o explicam tanto em seus aspectos deficitários, como também em seus talentos específicos. Discutimos aspectos genéticos do autismo relativos à percepção, emoção e atenção e o papel da genética na origem do EA. Exploramos como os mais modernos exames psicológicos e de neuroimagem têm revelado diferenças entre neurotípicos e pessoas do EA em relação aos circuitos de processamento social e como esses estudos têm oferecido uma nova compreensão sobre os fundamentos da interação social, como por exemplo sobre como desenvolvemos conceitos de relacionamento com outras pessoas. Revisamos o que estudos clínicos têm mostrado sobre como o cérebro autista se diferencia durante o desenvolvimento, tanto de maneira neurofisiológica quanto psicologicamente.
O capítulo 5 discute como uma pessoa do EA tem uma particular percepção visual e auditiva, um perfil próprio de interesses, um foco intenso e uma capacidade duradoura de permanecer atento a algo, característicastradicionalmente vistas como problema, mas que, como mostraremos, podem ser também qualidades positivas. Até mesmo dificuldades na comunicação verbal e na compreensão emocional podem ter um lado positivo pois, se por um lado causam isolamento, por outro também proporcionam liberdades que decorrem da independência criativa em relação às expectativas sociais. Nesse cenário, destacamos a pintura e a música como caminhos de expressão particularmente atraentes e adaptados à mente autista, pois geram oportunidades singulares de dedicação, envolvimento e desempenho. Em seguida, apresentamos as diferentes abordagens de tratamento e apoio, como a psicoterapia, a fonoaudioterapia, a terapia assistida por animais, a terapia de integração sensorial, assim como a arteterapia e a musicoterapia. Também discutimos os desafios sociais na adolescência.
Em seguida, propomos uma revisão dos conceitos e das formas de avaliação da inteligência e da criati¬vidade dentro do espectro, mostrando como essas potencialidades vêm sendo constantemente subestimadas nesse grupo. A Neurodiversidade é, nesse contexto, um movimento de conscientização iniciado pelas pessoas do EA que reivindica maior participação social, inclusão nas escolas e no mercado de trabalho e, acima de tudo, um novo conceito de saúde mental e de normalidade.
No capítulo 6, sintetizamos a obra, colocando Camila e suas pinturas sob uma perspectiva mais ampla, baseada no que se sabe atualmente sobre o autismo, e expressamos a nossa esperança de que pessoas do EA sejam mais bem integradas ao sistema educacional e à sociedade como um todo.
Finalmente, o livro se encerra no capítulo 7, com o depoimento da mãe de Camila sobre sua trajetória de lutas e conquistas. Sem dúvida, uma história de amor e coragem.
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